Mesa do Pequeno Almoço

O meu cunhado Rui Pereira que é pessoa conhecedora dos dias, das noites e das madrugadas de Luanda, deixava sempre o aviso:

- Às quatro da manhã, à saída de uma boate, qualquer mulher tem dezoito anos.

Porém, e como vocês saberão, a experiência de cada um, não dá experiência a ninguém e não é com os conselhos dos outros que se abre o caminho dos olhos de quem quer que seja. Não fora assim, diz-se, os conselhos não se davam – vendiam-se.

E foi que um dia o Felisberto, desapareceu às quatro da manhã, como cumpria, para aparecer aos amigos quase às onze daquele mesmo dia. O homem estava tonto de satisfação. Descobrira a América. Cristovão Colombo nunca estivera tão perto das Índias Ocidentais.

- Uma noite que só vos digo ! Uma verdadeira noite de amor. E vejam só...

Suspendia a palavra. Criava inveja. E rematava para admiração de todos:

- De manhã, quando acordei, tinha este bilhete na mesa de cabeceira...

E o bilhete mostrava-se: letra linda, letra redonda, letra calma e firme de quem tem o coração lavado e a consciência sem peso.

“ Amor: O prazer desta noite foi puro demais para que possa ser vendido ou comprado. Não me desiludas, tu que soubeste tão bem falar ao meu coração. Utiliza-te do apartamento à vontade. Deixo-te a mesa do pequeno almoço posta. Bom Apetite! Espero que gostes...”

E gostou, se gostou!...

Um bife, com dois ovos estrelados tudo bem embrulhado em papel de prata para não arrefecer; pão de forma cortado às fatias que ele ia colocando na torradeira e barrando com manteiga, aos montes, como gostava; Fiambre, salame, lascas de presunto e sei lá mais quê... Sumos de quantas qualidades havia (ele preferiu ir à geleira descobrir um “Grão Vasco” tinto). Fruta: maçã, mamão, abacate e ele, já enfastiado depenicou dois bagos de uva; Café da garrafa termus – quente; Leite, noutra garrafa – quentíssimo. Acendeu um cigarro e ficou a jiboiar até que saiu.

- E ela? Quem é ela, afinal ?

Ele, a fazer-se de caro, a guardar segredo atrás daquele sorriso satisfeito.

- Depois digo.

E os amigos ofendidos:

- Depois quando? Não tens confiança na gente?

E ele na sua:

- Não é falta de confiança. É que verdadeiramente não sei muito bem quem ela é. Sei que é linda. Sei que é uma maravilha como mulher. E como ela também gostou de estar comigo, há-de aparecer por aí, com toda a certeza...

E apareceu. Indiscutivelmente ela: as varizes eram um mapa de riscos negro e encaroçados, mais grossos que dedos. Os peitos, ripados eram só uma sugestão para não parecer um homem. A voz, forçadamente doce, não disfarçava o azedume da alma e o cheiro intenso do fumo e do álcool...

- Gostou do pequeno almoço amor ? perguntou ela num beijo de mel.

Levantamo-nos. Ele pregado à cadeira – frio, pasmado, sem guarda chuva que lhe aparasse aquele dilúvio de beijos. E o Rui Pereira a comentar ao lado:

- Eu avisei: às quatro da manhã, à saída de uma boate, todas as mulheres têm vinte anos.

- Desculpa, mas tu dizias dezoito.

- Pois é ! Mas esta merece bem os dois anos de exagero


09.02.99